AULA 6: HERANÇA MONOGÊNICA

Índice
  1. Introdução
    1.1. Contextualização
    1.2. Objetivos
    1.3. Justificativa

  2. Revisão Histórica da Genética e dos Primeiros Estudos de Mendel
    2.1. Os Pioneiros da Genética
    2.2. As Leis de Mendel
    2.3. Evolução do Conhecimento Genético

  3. Fundamentos da Herança Monogênica
    3.1. Conceitos Básicos: Genes, Alelos, Genótipo e Fenótipo
    3.2. Mutações e Polimorfismos
    3.3. Expressão Gênica e Mecanismos Moleculares
    3.4. Aspectos Celulares e o Papel da Mitose e Meiose

  4. Padrões de Herança em Genética Médica
    4.1. Herança Autossômica Dominante
    4.1.1. Conceito e Características
    4.1.2. Exemplos Clínicos
    4.2. Herança Autossômica Recessiva
    4.2.1. Conceito e Características
    4.2.2. Exemplos Clínicos
    4.3. Herança Ligada ao Sexo
    4.3.1. Herança Recessiva Ligada ao X
    4.3.2. Herança Dominante Ligada ao X
    4.3.3. Herança Ligada ao Y
    4.4. Herança Mitocondrial

  5. Aplicações Clínicas: Doenças Monogênicas
    5.1. Erros Inatos do Metabolismo
    5.2. Neurofibromatose
    5.3. Acondroplasia
    5.4. Fibrose Cística
    5.5. Hemofilia
    5.6. Distrofia Muscular de Duchenne
    5.7. Outras Condições Relevantes

  6. Construção e Análise de Heredogramas
    6.1. Símbolos e Convenções
    6.2. Interpretação dos Dados Genealógicos
    6.3. Exemplos Práticos na Genética Médica

  7. Penetrância, Expressividade e Fatores Modificadores
    7.1. Conceitos de Penetrância e Expressividade
    7.2. Influência Ambiental e Multifatorialidade
    7.3. Estudos de Caso e Variabilidade Fenotípica

  8. Diagnóstico Molecular e Estratégias Terapêuticas
    8.1. Ferramentas de Diagnóstico Molecular
    8.2. A Importância dos Testes Genéticos
    8.3. Abordagens Terapêuticas e Tratamentos Personalizados
    8.4. O Papel da Aconselhamento Genético

  9. Discussão: Avanços, Desafios e Perspectivas Futuras
    9.1. Avanços Recentes em Genética Médica
    9.2. Limitações dos Modelos Monogênicos
    9.3. Integração com Estudos Multifatoriais
    9.4. Desafios Éticos e Sociais

  10. Considerações Finais

  11. Referências Bibliográficas

1. Introdução
1.1. Contextualização

A genética médica é uma área que se encontra na vanguarda da pesquisa biomédica e clínica, especialmente no que diz respeito à compreensão dos mecanismos hereditários responsáveis por diversas condições patológicas. Dentro deste universo, a herança monogênica destaca-se por ser responsável por inúmeras doenças que, apesar de serem causadas por alterações em um único gene, apresentam grande variabilidade clínica e desafios para diagnóstico e tratamento.

Historicamente, os estudos de Gregor Mendel constituíram o alicerce sobre o qual se edifica o entendimento dos padrões hereditários. A descoberta das leis da segregação e da distribuição independente dos alelos possibilitou a elaboração de modelos que explicam a transmissão de características de geração em geração. Este artigo visa integrar os conhecimentos clássicos e modernos acerca da herança monogênica, destacando tanto os aspectos teóricos quanto as aplicações clínicas e os avanços tecnológicos que têm permitido a melhor compreensão e manejo destas condições.

1.2. Objetivos

O presente trabalho tem como principais objetivos:

  • Revisar os fundamentos históricos e teóricos da herança monogênica;

  • Detalhar os mecanismos moleculares e os padrões hereditários (dominante, recessivo, ligado ao sexo e mitocondrial);

  • Apresentar e discutir exemplos clínicos de doenças monogênicas relevantes na prática médica;

  • Demonstrar a aplicação dos heredogramas na identificação de padrões de herança;

  • Analisar os conceitos de penetrância, expressividade e a influência de fatores ambientais na manifestação dos fenótipos;

  • Discutir as implicações do diagnóstico molecular e as estratégias terapêuticas emergentes na genética médica.

1.3. Justificativa

A compreensão aprofundada dos mecanismos que regem a herança monogênica é crucial para a prática clínica, pois permite a identificação precoce de doenças, o aconselhamento genético e a implementação de estratégias terapêuticas mais eficazes. Além disso, o estudo dos padrões monogênicos oferece insights valiosos sobre a interação entre genética e ambiente, contribuindo para o desenvolvimento de terapias personalizadas e para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Com a evolução das técnicas de sequenciamento e análise molecular, novas perspectivas têm surgido, evidenciando a necessidade de atualizar constantemente o conhecimento nesta área.

2. Revisão Histórica da Genética e dos Primeiros Estudos de Mendel
2.1. Os Pioneiros da Genética

A gênese do conhecimento genético remonta ao século XIX, com os experimentos revolucionários conduzidos por Gregor Mendel. Mendel, por meio de cruzamentos realizados com plantas de ervilha, estabeleceu as bases da hereditariedade, demonstrando que características específicas eram transmitidas de forma previsível entre gerações. Seu trabalho, inicialmente ignorado, veio a ser reconhecido décadas depois como fundamental para o desenvolvimento da genética.

Além de Mendel, outros cientistas contribuíram para o avanço da genética clássica, como Wilhelm Roux, Theodor Boveri e Walter Sutton, que propuseram a teoria cromossômica da hereditariedade. A consolidação do modelo cromossômico possibilitou a compreensão dos mecanismos celulares subjacentes à transmissão dos caracteres hereditários, como a meiose e a mitose.

2.2. As Leis de Mendel

Mendel formulou duas leis principais que regem a herança dos caracteres:

  1. Lei da Segregação: Durante a formação dos gametas, os alelos presentes nos pares homólogos segregam-se de forma que cada gameta receba apenas um alelo de cada par.

  2. Lei da Distribuição Independente: Os alelos de diferentes genes são distribuídos aos gametas de forma independente, dando origem a combinações variadas nos descendentes.

Estas leis, embora inicialmente aplicadas a caracteres simples, formam a base para o entendimento dos padrões de herança monogênica, possibilitando a previsão da ocorrência de determinadas doenças em uma população.

2.3. Evolução do Conhecimento Genético

Desde os experimentos de Mendel, a genética evoluiu significativamente, impulsionada por avanços em técnicas laboratoriais e na biologia molecular. A descoberta da estrutura do DNA, feita por Watson e Crick, em 1953, revolucionou o campo ao revelar a natureza química da informação hereditária. Em seguida, o desenvolvimento de métodos de clonagem e, posteriormente, do sequenciamento genético, permitiu a identificação precisa dos genes envolvidos em diversas doenças monogênicas.

A era do sequenciamento do genoma humano, iniciada no final do século XX, ampliou o conhecimento sobre a organização e a função dos genes, revelando a complexidade dos mecanismos moleculares que regulam a expressão gênica e a interação entre fatores genéticos e ambientais.

3. Fundamentos da Herança Monogênica
3.1. Conceitos Básicos: Genes, Alelos, Genótipo e Fenótipo

Em termos básicos, um gene é uma unidade de informação hereditária composta por uma sequência específica de nucleotídeos que codifica proteínas ou RNA funcional. Cada gene pode existir em diferentes versões, denominadas alelos. O conjunto de alelos que um indivíduo possui constitui o seu genótipo, enquanto a expressão visível ou mensurável dessas informações – resultante da interação entre os genes e o ambiente – define o fenótipo.

A herança monogênica ocorre quando uma única mutação ou variação em um gene é suficiente para determinar um fenótipo específico, seja este patológico ou não. Exemplos clássicos incluem doenças como a fibrose cística e a acondroplasia.

3.2. Mutações e Polimorfismos

As variações nos alelos podem ser decorrentes de mutações pontuais, deleções, inserções ou rearranjos cromossômicos. Quando uma mutação altera a função do gene, o resultado pode ser uma proteína disfuncional ou a ausência completa de sua expressão. Por outro lado, polimorfismos representam variações que ocorrem em uma frequência significativa na população e nem sempre estão associados a efeitos patológicos.

Estudar essas variações é fundamental para compreender como um único gene pode ter diferentes consequências fenotípicas, contribuindo para a variabilidade observada em doenças monogênicas.

3.3. Expressão Gênica e Mecanismos Moleculares

A expressão gênica é regulada por uma complexa rede de fatores que controlam a transcrição, o processamento do RNA, a tradução e a modificação pós-traducional das proteínas. Esses mecanismos determinam se um alelo será expresso ou silenciado, influenciando diretamente o fenótipo.

Em muitas doenças monogênicas, a mutação afeta a estabilidade do RNA mensageiro, a eficiência da tradução ou a estrutura da proteína resultante. Por exemplo, mutações que levam a alterações na estrutura do receptor de fatores de crescimento podem resultar em condições como a acondroplasia.

3.4. Aspectos Celulares e o Papel da Mitose e Meiose

A transmissão dos genes aos descendentes ocorre por meio de processos celulares como a mitose e a meiose. A meiose, em particular, é fundamental para a segregação dos alelos durante a formação dos gametas, garantindo que cada gameta receba apenas uma cópia dos genes. Este processo é a base da lei de segregação de Mendel e é crucial para a manutenção da variabilidade genética dentro de uma população.

4. Padrões de Herança em Genética Médica

A herança monogênica pode ser classificada em diferentes padrões, conforme a localização do gene envolvido e a forma como o alelo patológico interage com o alelo normal. Nesta seção, são discutidos os principais padrões de herança.

4.1. Herança Autossômica Dominante
4.1.1. Conceito e Características

Na herança autossômica dominante, basta a presença de um único alelo patológico para que o fenótipo seja manifestado. Isto significa que indivíduos heterozigotos (Aa) apresentam o fenótipo da doença. Características importantes deste padrão incluem:

  • Transmissão igualitária entre homens e mulheres.

  • Manifestação da doença em todas as gerações, sem saltos.

  • Em média, um indivíduo afetado tem 50% de chance de transmitir o alelo patológico para cada descendente.

4.1.2. Exemplos Clínicos

Entre os exemplos clínicos de doenças autossômicas dominantes, destacam-se:

  • Neurofibromatose tipo 1 (NF1): Caracterizada pelo surgimento de neurofibromas e manchas “café com leite”. A mutação afeta o gene NF1, que codifica a proteína neurofibromina, um importante supressor tumoral.

  • Acondroplasia: Doença que resulta em nanismo desproporcional, causada por mutações no gene FGFR3 (receptor do fator de crescimento fibroblástico).

4.2. Herança Autossômica Recessiva
4.2.1. Conceito e Características

Na herança autossômica recessiva, é necessário que ambos os alelos sejam patológicos para que o fenótipo se manifeste (aa). Indivíduos heterozigotos (Aa) são considerados portadores e, em geral, não apresentam sintomas clínicos. Este padrão é frequentemente observado em:

  • Doenças metabólicas, como erros inatos do metabolismo.

  • Condições que se manifestam em populações com alta incidência de consanguinidade.

4.2.2. Exemplos Clínicos

Entre as doenças recessivas destacam-se:

  • Fibrose Cística: Devido a mutações no gene CFTR, que codifica um canal de cloro essencial para a regulação do muco nas vias respiratórias e no sistema digestivo.

  • Fenilcetonúria: Doença metabólica decorrente da deficiência da enzima fenilalanina hidroxilase, que leva ao acúmulo tóxico de fenilalanina.

4.3. Herança Ligada ao Sexo

Os genes localizados nos cromossomos sexuais (X e Y) apresentam padrões de transmissão que diferem dos genes autossômicos.

4.3.1. Herança Recessiva Ligada ao X

Neste padrão, a mutação afeta principalmente os homens, pois estes possuem apenas um cromossomo X. As mulheres, tendo dois X, geralmente são portadoras sem manifestar a doença, a não ser que ambas as cópias sejam afetadas. Exemplos clássicos incluem:

  • Daltonismo: Várias formas de deficiência na percepção das cores, em que os genes responsáveis estão localizados no braço longo do cromossomo X.

  • Hemofilia: Doença caracterizada pela deficiência do fator de coagulação, que afeta de forma predominante os homens.

4.3.2. Herança Dominante Ligada ao X

Na herança dominante ligada ao X, basta a presença do alelo patológico em um dos cromossomos X para que a doença se manifeste, afetando tanto homens quanto mulheres, embora com incidências e graus de expressividade diferentes. Um exemplo em estudo é a síndrome do X-frágil, que está associada a transtornos cognitivos e comportamentais.

4.3.3. Herança Ligada ao Y

Devido à escassa quantidade de genes presentes no cromossomo Y, apenas algumas características – geralmente relacionadas ao desenvolvimento sexual masculino – seguem este padrão. Um exemplo é a hipertricose auricular, onde o gene responsável é transmitido de pai para filho.

4.4. Herança Mitocondrial

A herança mitocondrial envolve os genes presentes no DNA mitocondrial, que são transmitidos exclusivamente pela mãe. Doenças associadas a mutações mitocondriais podem afetar tecidos com alta demanda energética, como os neurônios e o músculo cardíaco. Um exemplo é a neuropatia óptica hereditária de Leber (LHON).

5. Aplicações Clínicas: Doenças Monogênicas

A seguir, são discutidos alguns exemplos clínicos que ilustram a importância do estudo da herança monogênica na prática médica.

5.1. Erros Inatos do Metabolismo

Erros inatos do metabolismo compreendem um grupo de doenças que resultam de mutações em genes que codificam enzimas essenciais para processos metabólicos. A manifestação clínica dessas condições pode variar de forma significativa, dependendo do grau de comprometimento enzimático e da presença de alelos portadores. Exemplos clássicos incluem:

  • Fenilcetonúria: Onde a incapacidade de metabolizar a fenilalanina pode levar a retardo mental e outras complicações neurológicas se não for tratada precocemente.

  • Galactosemia: Doença que impede a metabolização correta da galactose, resultando em toxicidade e disfunção de múltiplos sistemas.

5.2. Neurofibromatose

A neurofibromatose tipo 1 é um exemplo paradigmático de doença autossômica dominante. Caracteriza-se pela formação de múltiplos neurofibromas, manchas pigmentadas na pele e possíveis complicações neurológicas. A mutação no gene NF1 leva à produção de uma neurofibromatina defeituosa, comprometendo o controle da via de sinalização celular mediada pela proteína Ras, o que pode resultar em proliferação celular descontrolada.

5.3. Acondroplasia

A acondroplasia é uma doença do crescimento ósseo caracterizada por nanismo desproporcional, decorrente de mutações no gene FGFR3. Embora a mutação seja autossômica dominante, a variabilidade clínica pode ser observada, com manifestações que vão desde formas leves até quadros mais severos. O estudo da acondroplasia permite a compreensão dos mecanismos de regulação do crescimento e a influência dos fatores de crescimento na cartilagem.

5.4. Fibrose Cística

A fibrose cística é uma doença autossômica recessiva que resulta da disfunção do canal CFTR, essencial para o transporte de íons cloro e a regulação da hidratação das secreções mucosas. Os pacientes acometidos apresentam complicações respiratórias, digestivas e nutricionais. O diagnóstico precoce, por meio do teste do pezinho e de análises moleculares, é fundamental para o manejo clínico e a melhoria do prognóstico.

5.5. Hemofilia

A hemofilia, predominantemente do tipo A, é uma doença recessiva ligada ao X, em que a deficiência do fator VIII compromete o processo de coagulação. A manifestação clínica é caracterizada por episódios hemorrágicos espontâneos ou após traumas, e o manejo terapêutico envolve reposição enzimática e medidas preventivas. Estudos genealógicos e testes moleculares auxiliam no aconselhamento genético de famílias afetadas.

5.6. Distrofia Muscular de Duchenne

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma condição recessiva ligada ao X que afeta a síntese da distrofina, proteína essencial para a integridade estrutural das fibras musculares. A ausência ou a produção deficiente de distrofina resulta em degeneração progressiva dos músculos esqueléticos, levando a incapacidades motoras severas. O diagnóstico envolve a dosagem de enzimas musculares (como a creatina quinase) e a análise genética do gene da distrofina.

5.7. Outras Condições Relevantes

Outras doenças monogênicas, como o albinismo, a ictiose e diversas doenças mitocondriais, ilustram a diversidade dos mecanismos e a complexidade dos padrões de herança. Cada condição apresenta desafios específicos no que se refere ao diagnóstico, prognóstico e manejo terapêutico.

6. Construção e Análise de Heredogramas
6.1. Símbolos e Convenções

A elaboração de heredogramas é uma ferramenta indispensável na genética médica para o registro e análise da transmissão dos traços hereditários em uma família. Os símbolos utilizados – quadrados para homens, círculos para mulheres, preenchimento para indivíduos afetados – seguem convenções padronizadas, permitindo a identificação dos padrões de herança de forma clara e objetiva.

6.2. Interpretação dos Dados Genealógicos

A análise do heredograma possibilita a inferência do padrão hereditário envolvido em uma determinada doença. Por exemplo, a observação de indivíduos afetados em todas as gerações sugere um padrão dominante, enquanto a presença de “saltos” de geração aponta para um padrão recessivo. Ademais, a distribuição entre os sexos pode indicar a existência de herança ligada ao X ou ao Y.

6.3. Exemplos Práticos na Genética Médica

Diversos estudos de caso demonstram a aplicação prática dos heredogramas. Na hemofilia, por exemplo, a análise genealógica revela que apenas os homens manifestam a doença, enquanto as mulheres são portadoras. Em condições autossômicas dominantes, como na acondroplasia, o heredograma mostra a presença do fenótipo afetado em ambos os sexos e em todas as gerações.

7. Penetrância, Expressividade e Fatores Modificadores
7.1. Conceitos de Penetrância e Expressividade

A penetrância refere-se à proporção de indivíduos com um determinado genótipo que efetivamente manifestam o fenótipo associado. Uma penetrância completa (100%) significa que todos os portadores do alelo patológico exibem a característica, enquanto penetrâncias incompletas (por exemplo, 80%) indicam que alguns indivíduos com o genótipo não manifestam o fenótipo.

A expressividade diz respeito à variação na intensidade ou na apresentação clínica do fenótipo, mesmo entre indivíduos que compartilham o mesmo genótipo patológico. Esses conceitos são essenciais para a interpretação de casos clínicos e para o aconselhamento genético.

7.2. Influência Ambiental e Multifatorialidade

Embora a herança monogênica implique a influência predominante de um único gene, fatores ambientais e modificadores genéticos podem modular a expressão do fenótipo. Dieta, exposição a toxinas e interações com outros genes podem alterar a manifestação clínica, contribuindo para a variabilidade observada em doenças monogênicas.

7.3. Estudos de Caso e Variabilidade Fenotípica

Estudos clínicos têm demonstrado que, em condições como a neurofibromatose, a expressividade pode variar amplamente entre os indivíduos, mesmo entre os membros de uma mesma família. Essa variabilidade destaca a importância de considerar não apenas o genótipo, mas também os fatores epigenéticos e ambientais que podem influenciar a doença.

8. Diagnóstico Molecular e Estratégias Terapêuticas
8.1. Ferramentas de Diagnóstico Molecular

O avanço das técnicas de biologia molecular revolucionou o diagnóstico das doenças monogênicas. Entre as ferramentas utilizadas estão:

  • PCR (Reação em Cadeia da Polimerase): Permite a amplificação de regiões específicas do DNA para a identificação de mutações.

  • Sequenciamento de Nova Geração (NGS): Facilita a análise simultânea de múltiplos genes, possibilitando o diagnóstico preciso de condições genéticas complexas.

  • Microarranjos e CGH (Hibridação Genômica Comparada): Utilizados para detectar deleções, duplicações e outras alterações cromossômicas.

8.2. A Importância dos Testes Genéticos

O diagnóstico molecular não apenas confirma o diagnóstico clínico, mas também fornece informações essenciais para o aconselhamento genético e a tomada de decisões terapêuticas. Em muitos casos, a identificação precoce do mutante permite a intervenção antes do aparecimento de sintomas graves, contribuindo para a melhoria do prognóstico.

8.3. Abordagens Terapêuticas e Tratamentos Personalizados

O conhecimento dos mecanismos moleculares das doenças monogênicas tem impulsionado o desenvolvimento de terapias específicas, incluindo:

  • Terapia gênica: Buscando corrigir a mutação diretamente no material genético.

  • Terapia farmacológica personalizada: Baseada na modulação da expressão gênica e na compensação dos defeitos enzimáticos.

  • Intervenções dietéticas e de suporte: Essenciais em doenças metabólicas, como a fenilcetonúria, onde a restrição de certos aminoácidos é crucial.

8.4. O Papel do Aconselhamento Genético

O aconselhamento genético desempenha um papel fundamental na gestão das doenças monogênicas. Por meio da análise de heredogramas e da compreensão dos riscos de transmissão, profissionais podem orientar os pacientes e suas famílias quanto às opções de diagnóstico, prevenção e estratégias reprodutivas.

9. Discussão: Avanços, Desafios e Perspectivas Futuras
9.1. Avanços Recentes em Genética Médica

Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos possibilitaram o aprimoramento do diagnóstico e do manejo das doenças monogênicas. O sequenciamento genético, aliado à bioinformática, permitiu a identificação de mutações raras e a caracterização detalhada dos mecanismos patológicos.

9.2. Limitações dos Modelos Monogênicos

Apesar dos significativos avanços, os modelos de herança monogênica apresentam limitações. Em muitos casos, a expressão do fenótipo é modulada por interações complexas com outros genes e com o ambiente, o que dificulta a previsão exata do quadro clínico. Além disso, a penetrância incompleta e a variabilidade expressiva complicam o aconselhamento genético.

9.3. Integração com Estudos Multifatoriais

A realidade clínica frequentemente demonstra que a manifestação de uma doença não depende unicamente de um único gene. Assim, a integração dos conceitos de herança monogênica com estudos multifatoriais – que levam em conta a ação combinada de múltiplos genes e fatores ambientais – é fundamental para uma compreensão mais completa das doenças hereditárias.

9.4. Desafios Éticos e Sociais

A utilização de testes genéticos e o diagnóstico precoce de doenças hereditárias levantam questões éticas e sociais relevantes. A confidencialidade dos dados genéticos, o impacto psicológico do diagnóstico e as implicações no planejamento familiar são temas que exigem constante discussão e regulamentação por parte da comunidade médica e das autoridades de saúde.

10. Considerações Finais

O estudo da herança monogênica constitui uma área central na genética médica, fornecendo as bases para o entendimento das doenças hereditárias e para a aplicação de estratégias diagnósticas e terapêuticas. A integração dos conhecimentos históricos, moleculares e clínicos possibilita a construção de modelos que auxiliam na identificação precoce de condições patológicas, contribuindo para a implementação de medidas preventivas e de tratamentos personalizados.

Apesar dos desafios impostos pela variabilidade fenotípica e pela interação com fatores ambientais, os avanços tecnológicos continuam a expandir as fronteiras do conhecimento, oferecendo novas perspectivas para o manejo das doenças monogênicas. Em um cenário de medicina personalizada, a compreensão aprofundada dos mecanismos hereditários é indispensável para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas cada vez mais eficazes.

A continuidade dos estudos nesta área, aliada à integração com abordagens multifatoriais e à consideração dos aspectos éticos, promete avanços significativos na prática clínica, contribuindo para a construção de um futuro no qual a genética médica desempenhe um papel cada vez mais central na prevenção e no tratamento das doenças.

11. Referências Bibliográficas
  1. Borges-Osório, M. (Ano). Genética Médica: Fundamentos e Aplicações. Editora Acadêmica.

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  3. Pierce, B.A. (2012). Genetics: A Conceptual Approach (4ª ed.). W.H. Freeman.

  4. Nussbaum, R.L., McInnes, R.R., & Willard, H.F. (2016). Thompson & Thompson Genetics in Medicine (8ª ed.). Elsevier.

  5. Hartl, D.L., & Jones, E.W. (2014). Genetics: Principles and Analysis (8ª ed.). Cengage Learning.

  6. Watson, J.D., et al. (2014). Molecular Biology of the Gene (7ª ed.). Pearson.

  7. Russell, L.B., & Harris, P.C. (2017). Clinical Genetics. Oxford University Press.

  8. Online Mendelian Inheritance in Man (OMIM). Disponível em: https://omim.org

  9. GeneReviews®. (Atualizado periodicamente). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1116/

  10. National Human Genome Research Institute (NHGRI). (2020). What is Genomic Medicine?. Disponível em: https://www.genome.gov/about-genomics/fact-sheets/Genomic-Medicine